29 julho, 2008

:: desejos

Estava de tarde e, como toda tarde, ele fugia. Mal caia o sol e suas mãos agitavam-se, olhos remexiam de um lado para o outro e os poros suavam frio. Anoitecia…  O nervosismo tomava conta do seu corpo assim como o veneno nocivo de um réptil colorido rapidamente atinge a corrente sangüínea. Observava o seu entorno obsessivamente de minuto em minuto, sentado em sua mesa. Sentia pelas narinas o viscoso perfume noturno adentrando pela janela aberta. Era assim toda noite. E toda noite ele sentia na pele, nos ossos e sobre os ombros o mesmo cansaço. Primeiro o crepúsculo; e passada as seis horas da tarde já ligava o abajur e fantasiava aquele ambiente diurno de filtro amarelo – tudo para recriar aquela segurança ilusória. A luminária compunha toda uma cena peculiarmente familiar. Ele fugia, sentado à mesa, com o ar de falsamente descontraído – fingia placidez, mas explodia em ansiedade. Por dentro um nervosismo se apossava e não respondia mais com coerência. Seus dedos seqüenciavam ruídos ao tamborilar sobre a madeira escura da mesa. Seus dedos insolentemente incessantes. A música há tempos não distraía e, o jazz tenro se tornara navalha perfurando os tímpanos dele. A noite não ia. Repugnava-lhe tomar café após as seis da tarde - ritual metódico que matinha antes do ocorrido.  Todo pretume lhe causava náuseas. Dedos sem pausa. O ruído de sua neurose. Não escrevia mais depois das seis. Não se permitia sequer pensar no ato. Sentado à mesa só lembrava dele e, por culpa dele estava lá – sentado numa cadeira dura, neuroticamente neurastênico – ansioso por possuí-lo outra vez. Tocá-lo e senti-lo, explorando cada centímetro de seu corpo esquálido. E nada mais lhe vinha a mente senão a imagem dele e os seus próprios desejos reprimidos. Sentia o seu cheiro pelo ar, onde quer que fosse. Sonhava com os seus dedos ossudos entrelaçando o seu corpo magro e branco. Delírio onírico que encharcava sua tez de suor. Seu desejo pulsava. O relógio da parede girava e girava – u buraco negro que lhe carregava para longe mas nunca lhe tirava da sua cadeira e de seu devaneio. O corpo raquítico e branco aparecia e sumia-lhe da frente – só tocava-o com as pontas dos dedos...Girava o relógio e a noite seguia. E ao amanhecer da primeira luz do dia, o berro abafado pelo frio antes de ser acordado por um despertador em retardo – cigarro!

:: night down the road

Steps.
Spaces.
Where, oh where
is the yellow brick road?
They forgot
to tell us
that it gets tougher
as it goes. 

:: ledo eqüilibrista

Como um par de eqüilibristas,

por de cima da corda bamba,

oscilando ora num pé

ora noutro,

nos dobramos ao vento

flexionamos ao balançar - querendo,

querendo, querendo.

Para evitar a queda

compreender a espera

quase cair, mas 

segurar.

Um no outro,

o outro em si. 

Pacientemente pousar

pé ante pé

- caminhar.

:: cão

Estava na sua casa.  Eu e a  sua casa vazia, a casa que parecia que ria.  O cão debaixo da cama. Eu e o cão de vigia. E às cinco, como se ele tivesse olhado no relógio vermelho, ele, cão, se espremeu e saiu debaixo da cama. Veio sentar-se sob meu pé – como se buscasse proteção. Mas o que eu poderia fazer? Na casa estranha e quieta. Olhei-lhe nos olhos. Quis dizer que eu nada podia fazer. Estávamos no mesmo barco amigão – afaguei seu pêlo. Sua cabeça esquentava a sola do meu pé com meia branca e cinza. Ele olhou-me profundamente nos olhos. Retribuiu o olhar o cão – que era dela e não meu. Que tinha um olhar de velho sábio cansado da vida. Olhou profundamente bem dentro dos meus olhos e como se nada fosse me fitou e, piscou. Achei que tinha alguém dentro dele, mas aí ela chegou. 

:: conversa no telefone

O não dito paira impreciso –

Inerte

Entre o meu pensar

E o teu agir.

Dois corpos finitos

Atônitos ansiosos aflitos,

Frente a frente –

Um abismo.

Arde a busca

Pulsa a ferida

O não dito paira impreciso,

Perdido… 

:: testículo primeiro

Quantos cigarros fuma-se para voltar a ter inspiração? Pensei. Pois fuma-se, e muito. Ouve-se jazz, também. No silêncio da noite fria com a janela aberta tomando um álcool qualquer, vinho comumente. A boa e velha babaquice de escritor que escreve à noite com luz baixa e xícara de chá. Eu gosto de chá, confesso. Quão clichê isso pode ser.  Escrever outra vez e deixar que transborde toda a nudez do que se é em palavras, registros escritos numa página virtual. Não registros do que se é, pensei. O relógio vermelho e seu barulho incessante dizendo que o tempo passou e que minha escrita enferrujada continua. Quantos cigarros fumarei nesta noite para escrever algum testículo primeiro que sirva para iniciar outra vez uma mania antiga?