22 setembro, 2008

:: o mendigo

Lavava as mãos. A água escorria e lambia a palma das mãos. Pútridas mãos latejando culpa. Lavava as mãos e esfregava avidamente. Esfregava na tentativa de se ver livre da sujeira - aquela lama nojenta e vil que grudara. Pelas palmas das mãos entravam os vermes, larvas brancas e roliças carcomendo o individualismo hedonista e apático que há tempos lhe adentrara o ser, tomara-o para si. Mãos limpas em corpo corrupto, corpo cancerígeno, corpo cruel. Maliciosa lama que se metera. Maldita nojeira de ser indiferente. Os inocentes do poeta morto permaneciam calados lambuzando-se em banhos de óleo espesso sob o sol. "Os inocentes", pensava ela. Ela inocente, ela indiferentemente conivente. E os olhos poços vermelhos velhos vencidos do senhor que não precisava falar nada. A voz dele que ela não ouviu. A voz seca e pontuda e afiada que a cortava por dentro, navalhando seu simulacro intocável. Agora zuniam as vozes como sirenes desvairadas em uma noite de enxaqueca. Seu corpo tomado por sentimentos tristes. Pensamentos tristes. Visões também tristes. Uma noite fria no concreto. Concreto da solidão. Repleto de carências urgências veemências. Fome sede raiva dor. Tudo invisível. Tudo esquecido, não era visto, quase passado por cima. Inocentes? Agora ela sentia pinçadas e tormentos, contorcia-se na calçada ao lado do velho. O corpo...mãos e pés ela já não sentia, ouvir, não ouvia, falar não podia. Lábios colados por uma tênue membrana aderida ao seu rosto. Só via, e via e via...Lá, um pouco mais adiante na mesma rua escura e molhada, lá, eles estavam todos brindando suas vidas, lamentando suas grandes perdas e feridas, lá, eles quietos conversavam e bebiam amenidades para esquecer seus problemas. E planejavam a próxima viagem e o próximo carro, seus próximos luxos, seus novos vícios. E ela...Sentada...Só via. E eles,
cegos................... riam.

Nenhum comentário: