29 setembro, 2008

:: chopperia cinelândia

ah esse brasil que não fala. 
brasil das esquinas
no escuro
meninas
escusos becos 
de safadezas cretinas
noites mulatas
à catar latas
tão incertas
essas pessoas erratas.
brasil mordaça -
não fala, não fala,
não espera nada.
entala nas esquinas
nas valas.  

22 setembro, 2008

:: o mendigo

Lavava as mãos. A água escorria e lambia a palma das mãos. Pútridas mãos latejando culpa. Lavava as mãos e esfregava avidamente. Esfregava na tentativa de se ver livre da sujeira - aquela lama nojenta e vil que grudara. Pelas palmas das mãos entravam os vermes, larvas brancas e roliças carcomendo o individualismo hedonista e apático que há tempos lhe adentrara o ser, tomara-o para si. Mãos limpas em corpo corrupto, corpo cancerígeno, corpo cruel. Maliciosa lama que se metera. Maldita nojeira de ser indiferente. Os inocentes do poeta morto permaneciam calados lambuzando-se em banhos de óleo espesso sob o sol. "Os inocentes", pensava ela. Ela inocente, ela indiferentemente conivente. E os olhos poços vermelhos velhos vencidos do senhor que não precisava falar nada. A voz dele que ela não ouviu. A voz seca e pontuda e afiada que a cortava por dentro, navalhando seu simulacro intocável. Agora zuniam as vozes como sirenes desvairadas em uma noite de enxaqueca. Seu corpo tomado por sentimentos tristes. Pensamentos tristes. Visões também tristes. Uma noite fria no concreto. Concreto da solidão. Repleto de carências urgências veemências. Fome sede raiva dor. Tudo invisível. Tudo esquecido, não era visto, quase passado por cima. Inocentes? Agora ela sentia pinçadas e tormentos, contorcia-se na calçada ao lado do velho. O corpo...mãos e pés ela já não sentia, ouvir, não ouvia, falar não podia. Lábios colados por uma tênue membrana aderida ao seu rosto. Só via, e via e via...Lá, um pouco mais adiante na mesma rua escura e molhada, lá, eles estavam todos brindando suas vidas, lamentando suas grandes perdas e feridas, lá, eles quietos conversavam e bebiam amenidades para esquecer seus problemas. E planejavam a próxima viagem e o próximo carro, seus próximos luxos, seus novos vícios. E ela...Sentada...Só via. E eles,
cegos................... riam.

13 setembro, 2008

:: rua da matriz

Trata-se de lidar com o inexorável ela disse. Descia a cerveja quente quase que por obrigação. Sabe? O inexorável peso de ser só, completou. Estendeu a mão para alcançar os cigarros. Vento encanado vindo da rua do cemitério e elas na rua e a rua escura. Análise é ótimo, tenho umas sessões tão densas. Na última chorei falando de Laura ela disse. Não queria mais o frio e a cerveja e a conversa triste sobre fracassos solidão e amores passados papos fadados a porre e ressaca matinal. Trago lento, gole seco. Ela disse. Trago lento, gole seco. Ela disse. Trago lento...linda, que peito...Ela disse Ela disse. Jogou fora o cigarro. Pegou o casco de antartica num abrupto movimento feriu. Lidar com o inexorável meu cu berrou enquanto a garrafa estilhaçava e os vidros rasgavam a pele a cabeça o lindinho rosto. Bruna? Oi. Percebeu que ela lhe olhava, sobrancelhas arqueadas, leve sorriso de canto de boca. e que boca. Pensou em como era possível ter beijado essa boca no passado.  Ter amado, ter amado. Sempre uma confusão. Vento frio cortava fez que estava distraída e catou um outro cigarro na mão.

:: sobre sistematizar


06 agosto, 2008

:: esboço

Estamos no inverno, pensou e rapidamente lembrou-se que quando olhou para cima, dentro do táxi, as folhas na árvore do canal estavam vermelhas. E o que isso quer dizer? Nunca foi boa com solstícios, datas, clima tempo, essas coisas. No inverno as folhas caem. Tinha isso como um fato integrante dentro do seu inconsciente coletivo altamente afetado pelo american way of life barra livros de infância importados vindos nas malas do tio brasileiro que morava em Nova Iorque.  Não lia jornal. Não tinha muito tempo. Demorava horas se preparando – para tudo. As folhas vermelhas, o clima frio. Doíam os ossos da mão que quebrara pequena ainda. Enfim. Puxou o caderno. Resoluções...dois pontos. Empacou. Tentou trocar de caneta, catou a bic vermelha para combinar com a idéia de ter vermelhas folhas de maple tree amassadas dentro do caderno - secando. Resoluções...a palavra tinha um peso, era intensa por si só. pensou em como começar. de repente seria melhor simplesmente listar. listar que a comida do cachorro tinha que ser comprada que o xampu acabara e que os cigarros faziam mal para o seu fígado. toxinas - ele disse, na consulta. mas não eram estas as resoluções e sim as outras os planos maiores que não encontravam a peça final para make the bigger picture. e que frio que não passa apesar das folhas caírem. lembrou que a primavera vem entrando. e tudo sempre muda. acalmou-se, fechou o caderno e rasgou lentamente a folha escrita.

29 julho, 2008

:: desejos

Estava de tarde e, como toda tarde, ele fugia. Mal caia o sol e suas mãos agitavam-se, olhos remexiam de um lado para o outro e os poros suavam frio. Anoitecia…  O nervosismo tomava conta do seu corpo assim como o veneno nocivo de um réptil colorido rapidamente atinge a corrente sangüínea. Observava o seu entorno obsessivamente de minuto em minuto, sentado em sua mesa. Sentia pelas narinas o viscoso perfume noturno adentrando pela janela aberta. Era assim toda noite. E toda noite ele sentia na pele, nos ossos e sobre os ombros o mesmo cansaço. Primeiro o crepúsculo; e passada as seis horas da tarde já ligava o abajur e fantasiava aquele ambiente diurno de filtro amarelo – tudo para recriar aquela segurança ilusória. A luminária compunha toda uma cena peculiarmente familiar. Ele fugia, sentado à mesa, com o ar de falsamente descontraído – fingia placidez, mas explodia em ansiedade. Por dentro um nervosismo se apossava e não respondia mais com coerência. Seus dedos seqüenciavam ruídos ao tamborilar sobre a madeira escura da mesa. Seus dedos insolentemente incessantes. A música há tempos não distraía e, o jazz tenro se tornara navalha perfurando os tímpanos dele. A noite não ia. Repugnava-lhe tomar café após as seis da tarde - ritual metódico que matinha antes do ocorrido.  Todo pretume lhe causava náuseas. Dedos sem pausa. O ruído de sua neurose. Não escrevia mais depois das seis. Não se permitia sequer pensar no ato. Sentado à mesa só lembrava dele e, por culpa dele estava lá – sentado numa cadeira dura, neuroticamente neurastênico – ansioso por possuí-lo outra vez. Tocá-lo e senti-lo, explorando cada centímetro de seu corpo esquálido. E nada mais lhe vinha a mente senão a imagem dele e os seus próprios desejos reprimidos. Sentia o seu cheiro pelo ar, onde quer que fosse. Sonhava com os seus dedos ossudos entrelaçando o seu corpo magro e branco. Delírio onírico que encharcava sua tez de suor. Seu desejo pulsava. O relógio da parede girava e girava – u buraco negro que lhe carregava para longe mas nunca lhe tirava da sua cadeira e de seu devaneio. O corpo raquítico e branco aparecia e sumia-lhe da frente – só tocava-o com as pontas dos dedos...Girava o relógio e a noite seguia. E ao amanhecer da primeira luz do dia, o berro abafado pelo frio antes de ser acordado por um despertador em retardo – cigarro!

:: night down the road

Steps.
Spaces.
Where, oh where
is the yellow brick road?
They forgot
to tell us
that it gets tougher
as it goes. 

:: ledo eqüilibrista

Como um par de eqüilibristas,

por de cima da corda bamba,

oscilando ora num pé

ora noutro,

nos dobramos ao vento

flexionamos ao balançar - querendo,

querendo, querendo.

Para evitar a queda

compreender a espera

quase cair, mas 

segurar.

Um no outro,

o outro em si. 

Pacientemente pousar

pé ante pé

- caminhar.

:: cão

Estava na sua casa.  Eu e a  sua casa vazia, a casa que parecia que ria.  O cão debaixo da cama. Eu e o cão de vigia. E às cinco, como se ele tivesse olhado no relógio vermelho, ele, cão, se espremeu e saiu debaixo da cama. Veio sentar-se sob meu pé – como se buscasse proteção. Mas o que eu poderia fazer? Na casa estranha e quieta. Olhei-lhe nos olhos. Quis dizer que eu nada podia fazer. Estávamos no mesmo barco amigão – afaguei seu pêlo. Sua cabeça esquentava a sola do meu pé com meia branca e cinza. Ele olhou-me profundamente nos olhos. Retribuiu o olhar o cão – que era dela e não meu. Que tinha um olhar de velho sábio cansado da vida. Olhou profundamente bem dentro dos meus olhos e como se nada fosse me fitou e, piscou. Achei que tinha alguém dentro dele, mas aí ela chegou. 

:: conversa no telefone

O não dito paira impreciso –

Inerte

Entre o meu pensar

E o teu agir.

Dois corpos finitos

Atônitos ansiosos aflitos,

Frente a frente –

Um abismo.

Arde a busca

Pulsa a ferida

O não dito paira impreciso,

Perdido… 

:: testículo primeiro

Quantos cigarros fuma-se para voltar a ter inspiração? Pensei. Pois fuma-se, e muito. Ouve-se jazz, também. No silêncio da noite fria com a janela aberta tomando um álcool qualquer, vinho comumente. A boa e velha babaquice de escritor que escreve à noite com luz baixa e xícara de chá. Eu gosto de chá, confesso. Quão clichê isso pode ser.  Escrever outra vez e deixar que transborde toda a nudez do que se é em palavras, registros escritos numa página virtual. Não registros do que se é, pensei. O relógio vermelho e seu barulho incessante dizendo que o tempo passou e que minha escrita enferrujada continua. Quantos cigarros fumarei nesta noite para escrever algum testículo primeiro que sirva para iniciar outra vez uma mania antiga?